domingo, 29 de março de 2009

Mobiliário

Produto da relação transformadora que se estabelece entre o homem e sua casa ou local de trabalho, o mobiliário está diretamente ligado ao corpo humano, sua postura e condições de sobrevivência em cada cultura, situação econômica e estágio tecnológico alcançado.
Mobiliário ou mobília é o conjunto dos móveis e peças utilizadas pelo homem no ambiente doméstico ou funcional, como complemento da atividade ou repouso de seu corpo e para guarda de seus pertences. Dentre os materiais empregados na indústria do mobiliário o mais constante é a madeira, seguida do ferro, bronze, marfim, mármore e dezenas de componentes de uso acessório ou decorativo, como couro, osso, fibra, tecidos, vernizes, tintas, madrepérola e mesmo ouro, prata e pedras preciosas. Modernamente, outros materiais são empregados, sobretudo os de natureza sintética e artificial, como fibras de vidro e laminados plásticos.
Não são muito numerosas as peças de mobiliário das civilizações antigas que se encontram em museus: arcas e cadeiras egípcias, móveis romanos de bronze e mármore são os tipos mais comumente vistos. Sobre o mobiliário de todos os demais povos antigos, assírios, persas, fenícios, judeus, cretenses e gregos, o que se sabe é o que se vê reproduzido em baixos-relevos ou vasos pintados.
Na história das civilizações, o primeiro dos mobiliários representativos foi o egípcio, de que restam amostras originárias tanto do Antigo Reino (IV dinastia, 2614-2502 a.C.) quanto do Novo (XVIII dinastia, 1570-1304 a.C.). São leitos, tronos e bancos produzidos em quantidade restrita, para uso dos soberanos e dos sacerdotes.
As civilizações mesopotâmicas também tiveram suas camas, cadeiras, caixas e tamboretes, documentados pelos baixos-relevos e, em geral, de traços semelhantes aos dos egípcios, embora de efeito menos delicado. A ornamentação das pernas do mobiliário com anéis metálicos sobrepostos antecipou a tendência de diversos estilos do torneamento moderno.
Também desenvolveram as artes da mobília os povos pré-helênicos do mar Egeu e os da Ásia oriental, sobretudo da dinastia Mauria (século IV a II a.C.), na Índia, ou do período de Che Huang-ti (século III a.C.), na China. Mas só entre os gregos surgiram inovações, que adquiriram originalidade e alto valor estético no período clássico (séculos V e IV a.C.). Na fase helenística, os móveis se diversificaram e encareceram. A marchetaria sobressaiu em leitos e lampadários.
A mobília romana foi a mais variada entre os antigos e se definiu a partir de três origens principais: a metalurgia etrusca do bronze, a marcenaria helenística e os padrões estéticos da Grécia antiga. Os romanos criaram o sofá de espaldar e braços altos, as grandes camas com incrustações, diversos tipos de mesas retangulares e redondas, arcas e armários com fechaduras de ferro.
Durante a maior parte da Idade Média, o mobiliário europeu foi modesto e limitou-se ao mínimo exigido por um estilo de vida instável e inseguro, quando não ascético e alheio, ou mesmo hostil, às coisas deste mundo. A arca tornou-se a peça mais significativa, com as funções de mala, armário, assento, escrivaninha e, não raro, cama.
Só a partir do século XIV esse quadro de ascetismo e instabilidade se modificou, com a reabertura do comércio, o ressurgimento das cidades e a gradativa redescoberta do mundo material. Sobretudo depois de 1400, quando a revolução comercial e o capitalismo usurário já sedimentavam as bases do Renascimento, foi crescente o predomínio das peças de guardar, de entesourar (objetos, dinheiro, mantimentos), peculiares aos hábitos da burguesia ascendente.
Alicerçado no desenvolvimento do comércio e na prosperidade econômica da burguesia, o Renascimento anunciou as bases éticas e estéticas da civilização ocidental moderna. Nesses tempos, no mobiliário, como na arquitetura, a forma se sobrepôs à função, pois a comodidade, embora já reconsiderada, importava menos que o esplendor. Generalizaram-se no Renascimento as mesas de forma oblonga, sustentadas por colunas estriadas entre os franceses e com tampo de tamanho variável pela inserção de duas pranchas, entre os ingleses.
Do reinado de Luís XII até o final do século XVI, o mobiliário francês evoluiu dos adornos góticos para o pleno domínio do estilo renascentista, quando os requintes de incrustação do mármore e da madrepérola, do marfim e das pedras semipreciosas atingiram altos resultados de beleza e graça. Enquanto isso, a influência moura marcava com um sabor de originalidade o mobiliário espanhol e português, em particular na decoração cujo estilo se conhece como mudéjar. Na Inglaterra, além de um exuberante desenvolvimento do entalhe, produziram-se as primeiras cadeiras estofadas.
O estilo barroco estendeu-se das últimas décadas do século XVI até o final do século XVII e difundiu-se, a partir de Roma, por quase toda a Europa ocidental, em várias modalidades. De tendência mais cortesã e mundana, deu continuidade e aperfeiçoamento técnico ao projeto renascentista.
Na França o barroco definiu-se principalmente no reinado absolutista de Luís XIV, quando foram assentadas as bases da marcenaria de luxo, na fábrica dos Gobelins (1667). Os trabalhos de André Boulle ficaram famosos pela elaborada marchetaria de cobre, estanho e tartaruga aplicada sobre o ébano de suas cômodas, toucadores e armários de livro. Também se usou a laca oriental e, em certos casos, a prata, material com que se fez a mobília do próprio Luís XIV. Na Inglaterra, onde o absolutismo era seguidamente contestado, observava-se um barroco mais sóbrio, apesar das influências do estilo Luís XIV.
No século XVIII, a França estava no auge do absolutismo e o estilo Luís XV ou de rocalha (rocaille), mais tarde rococó, impôs-se na arquitetura e na manufatura de móveis, a partir da década de 1730. Substituiu o estilo regência, realização do marceneiro Charles Crescent que, embora transitório, antecipava aspectos importantes da nova orientação. Do ponto de vista criativo, a fase dos móveis Luís XV foi uma das mais fecundas da história do mobiliário.
Na Inglaterra, o estilo rococó estabeleceu-se de 1740 a 1760, sob o fascínio dos modelos franceses. A casa de Hannover teve em Thomas Chippendale o intérprete principal de seu gosto mobiliário. Este tomou o mogno como madeira predominante e fez o rococó inglês mais severo que o de seus inspiradores.
As tendências neoclássicas do mobiliário (na França, estilo Luís XIV e império) identificaram-se com os sinais de decadência das monarquias européias, que se voltaram, nostálgicas, para as fontes antigas do Ocidente civilizado. Prevaleceu a influência grega, ou sua idealização, no estilo Luís XVI, em que se salientou o ebanista Jean-Henri Riesener, que trabalhou na corte até 1784, especialmente para Maria Antonieta.
Na Inglaterra, as soluções adotadas foram semelhantes e deram fama aos nomes de Robert Adam, George Hepplewhite e Thomas Sheraton. O estilo império - na Inglaterra, regência - é um desdobramento do neoclassicismo, com características mais severas e monumentais em que sobressaem ornatos frequentemente de bronze. Iniciado em Paris, nos anos da revolução francesa, consolidou-se a partir das campanhas napoleônicas, quando passou a ter elementos bélicos e egípcios. Com o estímulo oficial, espalhou-se pela Europa.
Quando caiu o império, os móveis novamente se transformaram e surgiu, na França, o estilo restauração, a que corresponde, na Áustria e na Alemanha, o Biedermeier, em que voltaram as linhas curvas, desapareceram os adornos de bronze e as formas se simplificaram. Comum entre as décadas de 1810 e 1850, foi dos últimos a apresentarem originalidade no século XIX.
O móvel, como produto ligado a uma tradição estética de artesanato, ainda entrou no século XX como privilégio dos grupos sociais dominantes, para o que adotou as sinuosidades e florescências do art nouveau na Áustria, Alemanha, França, Itália, Bélgica e Reino Unido. À medida que cresceram os contingentes das classes médias, sob o acelerado processo de urbanização e industrialização, aumentou incessantemente o mercado consumidor do mobiliário, que passou a ser atendido por uma produção cada vez maior de peças padronizadas, em geral destituídas de valor estético.
A primeira oposição criativa a esse estado de coisas foi a fundação em 1907 do Deutscher Werkbund, com o objetivo de conciliar arte, artesanato e indústria. Mas foi com a Bauhaus (1919-1933) que o mobiliário passou por uma grande revolução, que integrou arquitetura e desenho industrial, funcionalismo moderno e produção em massa. A influência dessa orientação atingiu todos os países desenvolvidos, sobretudo depois da segunda guerra mundial. Arquitetos como Mies van der Rohe, Alvar Aalto, Le Corbusier e Charlotte Perriand trabalharam no desenho de móveis, que adaptaram ao gosto, às possibilidades e novos materiais da época.
Mobiliário Brasileiro
Uma das únicas peças importantes da mobília indígena brasileira era a rede de dormir. O colonizador trouxe de Portugal, no século XVI, algumas mostras de sua vasta tradição de estilos que, na decoração de interiores, nada deviam aos padrões alcançados na França, Reino Unido, Países Baixos e Espanha. Conforme as necessidades portuguesas no Brasil, no início só se fizeram arcas, cadeiras, tamboretes e mesas desgraciosos, de jacarandá ou vinhático. Somente no século seguinte surgiram os torneados, frisos e torcidos de largas rodelas ou bolachas. O ferro batido foi usado em ferrolhos e fechaduras rudes, enquanto os móveis apresentavam aspecto pesado e solene.
O século XVIII marcou a grande fase da marcenaria brasileira, estimulada pelo notável desenvolvimento alcançado, então, por sua congênere portuguesa. O entalhe, a tornearia e a linha curva dominaram as criações, enquanto na decoração começavam a surgir os motivos extraídos à flora e fauna locais. O estilo denominado D. João V, ou rococó português, surgiu no fim do século XVII e início do seguinte, para só terminar em pleno reinado de D. José I, momento em que apareceu em cena o estilo pombalino, que é, em última instância, um prolongamento daquele.
O estilo que se seguiu, Dona Maria I, mudou tudo: não mais conchas, grinaldas ou florões, mas folhagens em que despontavam margaridas e girassóis. Correspondia ao Luís XV da França e deu lugar ao Luís Filipe e à restauração, com entalhes de rosas e ramagens. A influência estrangeira, que se fizera notar em épocas anteriores, sobretudo inglesa e holandesa nos séculos XVII e XVIII, acha-se representada no início do século XIX pelo mobiliário chippendale, que se adulterou até tornar-se pastiche comum nas casas de móveis. Da segunda década do século XIX em diante, o estilo império, ainda de influência francesa e inglesa, foi submetido a singulares adaptações ao meio, como os sofás de palhinha pernambucanos ornados de frutas tropicais.
A fundação do Núcleo Bernardelli, por Joaquim Tenreiro, na década de 1930, e a criação do estúdio Palma, em 1948, pela arquiteta Lina Bo Bardi, imprimiram novo impulso à evolução do móvel no Brasil, com a busca de um mobiliário de tendência nacional com base nas características e materiais brasileiros. Essas influências acabaram por superar o ressurgimento do colonial, na década de 1950, com a criação de linhas mais práticas e modernas. Paralelamente à entrada no mercado brasileiro de produtos de influência escandinava, registrou-se a partir de então significativo desenvolvimento da arquitetura brasileira de interiores, que tem entre seus representantes mais destacados Sérgio Rodrigues, criador da "poltrona mole", internacionalmente conhecida e Oscar e Ana Maria Niemeyer, com seus móveis de madeira laminada.